terça-feira, 29 de março de 2011

Além da zona de conforto

Texto escrito por Thomas Couetdic.

O encontro foi marcado para as 11h, então ninguém ficou surpreso quando os irmãos Vigroux apareceram meia-hora atrasados. Eles estavam se reunindo com vários outros membros da Parkour Generations para uma sessão de treino apenas com os instrutores do grupo. Uma coisa que eu gosto quando treino com Stephane e Johann é o caráter desafiante que eles sempre trazem para o treino. Eu gosto que me incentivem a dar mais de mim, gosto de estar sob pressão e superar dificuldades um pouco mais trabalhosas - que fazem a diferença entre um bom treino e um ótimo treino.
Acostumado a treinar sozinho, com frequência eu sou obrigado a criar esse estado mental por conta própria. Mas não é a mesma coisa que ter um bom parceiro de treino consigo.
À medida em que íamos calmamente progredindo no treino, eu percebi que Johann estava em cima de um murinho fino, ensaiando na sua mente um salto de três passadas do mesmo murinho em que ele estava para outro BEM longe. A distância de um muro para o outro, assim como a curta distância para das as passadas, tornava o salto "cabuloso" e, principalmente, assutador.
Então quando Johann foi tentar e mal conseguiu, senti uma mistura de surpresa, provocação e raiva: Surpreso porque ninguém estava esperando aquilo naquele momento (Johann falou logo após sua primeira tentativa: "Esse é o tipo de salto que geralmente eu deixaria pra fazer mais tarde, só que eu não estava afim de fazer isso hoje, então eu decidi fazê-lo logo de uma vez."); Provocado porque era um salto muito legal e eu sabia que teria que tentar também; E com raiva porque eu teria que fazer algo que eu odeio e amo ao mesmo tempo, que é ir além da minha zona de conforto.
Muitos traceurs, até aqueles bastante talentosos, não fazem ideia do que isso significa - pois eles nunca experimentaram. A maioria deles mantém uma evolução estável, uniforme e confortável. Mas quando aparece algum desafio que levanta um dúvida em suas mentes que os incomodam, eles seguem em frente e deixam o desafio para depois, até que a dúvida (desconfiança, preguiça...) não exista mais e eles possam encarar o mesmo desafio de maneira bem mais confortável.
No entanto, desde os meus primeiros treinos de Parkour eu vim sendo exposto a uma abordagem diferente em relação a esses tipos de desafios. Teimosia, determinação, obsessão... Chame do que quiser! A habilidade de encarar um desafio cabuloso feito esse e decidir que hoje ele será superado é, na minha opinião, um estado mental essencial para a prática do Parkour. Já que, como eu havia percebido, isso é uma estrada que te leva diretamente ao controle total da mente.
Há muito tempo que eu não havia sido desafiado dessa maneira, então foi muito bom ouvir Stephane falar pra Johann logo antes de ele tentar também o salto: "OK! Você elevou a barra para um patamar mais alto hoje."
Enquanto eu ia dando uma olhada no obstáculo, eu fiquei um pouco irritado com toda a conversação e o movimento das pessoas indo pra lá e pra cá. Dan notou e sabiamente me lembrou que isso também fazia parte do desafio...
Eu sempre tive dificuldade com precisões correndo e eu realmente não conseguia me visualizar realizando o salto, parecia longe demais para mim. Então eu fiz o que eu sempre faço nessas situações: Eu comecei a fazer deduções, ou seja, criar razões para eu acreditar que poderia realizar aquele salto com sucesso.
Analisando todos os pontos, um por um, eu consegui chegar nas conclusões mais comuns como: "Minha precisão é boa o suficiente, eu já fiz precisões correndo antes em muros finos e se o resto da galera fez, eu posso fazer também."
Eu substituí cada dúvida que eu tinha por uma dedução lógica até eu ter elementos suficiente para ter certeza que eu conseguia fazer o salto. A partir daquele momento, eu só precisava fazer o esforço final, o esforço decisivo... Suspirei algumas vezes dando breves "assopros", focado em cada passo, puxei minhas pernas o máximo que pude até chegar com sucesso no outro muro.
Como de costume, eu fiz o salto mais duas vezes para ter certeza que eu o tinha feito (Só uma vez é o mesmo que nada!).
Fiquei feliz por ter sido motivado a sair novamente da minha zona de conforto - o único momento que eu sinto que estou realmente progredindo.

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